sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Deus quis você morto, e não foi à toa


Depois de um tiro - não matei ninguém, sóbrios- numa vontade enorme de conversar, desafiei Isaac (sendo quase assassinado na imagem ao lado) a me desafiar. Ele jogou uns temas, que eu tentei fugir (acho que consegui).

Dois, três tiros depois, errando a mira e acertando a mim mesmo, consegui provar que é mais difícil escrever com o nariz escorrendo. As ideias fogem, tudo passa rápido pela mente e nada estaciona.

Vamos ao que resultou dessa experência invocada pelas asneiras de artistas como Aldous Huxley, Lewis Carrol e Fábio Assunção(sic).

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(Invente um título, sou péssimo pra isso)

Um velho aparelho de tv, jogado no canto de um cômodo de uma casa. Um lugar lúgubre, tão sujo que limo acumulara nos portais que, levemente comidos por cupins, pendia sobre a cabeça dos passantes.

A luz era menos importante do que a claridade resultante das imagens emitidas pela caixa ligada à tomada. Em certos horários, lembrando que em horários pré-estabelecidos, toda uma gama de sonhos subconscientes ou não; ganhavam vida, forma e tangibilidade.

Carlos era o possuidor da máquina, não se importava com o tamanho, orgulhava-se das 21 polegadas. Nela, ele entorpecia todos os seus problemas, preocupações e responsabilidades. Sentia-se justiceiro quando um assassino era preso, um galã de novela quando este finalmente conseguia conquistar sua donzela; e sentia que a vida ficava mais fácil quando algum personagem ganhava um prêmio altíssimo em algum reality show. Era emocionante, a sensação era real.

Sentia-se conectado com o mundo. Desde pequeno aprendeu que gatos não gostam de ratos; que enchentes são interessantes quando transmitidas ao vivo, descobriu que o amor é eterno e o sexo rápido e intenso.

Não tinha amigos, as celebridades eram suas companheiras. Silvio Santos é o cara do dinheiro e da esclerose, Xuxa rainha de seus sonhos lúdicos e, não demorou, para ser trocada para oito canais acima, pela Emanuelle.

Carlos não tinha tempo para seguir com a sua vida. Hipnotizado, era essencial acordar com Ana Maria Braga e tentar imaginar que gosto aquelas comidas diferentes tem; à tarde, era essencial relaxar com sessão da tarde para poder aguentar a maratona de novelas. Lembrando que, era essencial dormir com aquela luz azulada do telecine em seu rosto, confortante e sonolenta.

A cama em que dormia estava amassada na ponta, desgastado e em suas juntas fora acumuladas restos de comida. O Televisor ficou ligado durante oito anos consecutivos, Sharp, a numeração do modelo já havia sumido. Resistia quedas de energia, tempestades e tapas para deixar de exibir fantasmas nas imagens. O aparelho alimentava a vida de Carlos, como consequência, o colchão mostrava menos resistente ao peso adquirido por seu dono.

Num certo dia o colchão mostrou sua força e maior durabilidade. A Tv amanhecera queimada.

O plug foi tirado e colocado diversas vezes na tomada. Tapas, socos foram dados na velha caixa, que quando ligada mostrava um simples ponto branco no meio de seu monitor. Carlos puxava os cabelos, eram poucos.

Ele sentou no colchão, ficou olhando para o ponto fixo no televisor. Há anos não via sua imagem. Sua casa não tinha espelhos, era apenas a cama e o televisor. Quando andava pelas ruas, não via seu reflexo nos vidros do mercado, estava constantemente pensando nas vidas dentro do aparelho de sua casa.

Subitamente, sentiu o peso do tempo em suas costas, 29 anos sem nenhuma realização. Não era o amado de nenhuma mulher, não era um justiceiro, não conhecia nenhuma celebridade pessoalmente; muito menos tinha amigos. Não transara com Emanuele, nem no espaço, nem na selva ou muito menos na fazenda, só com a sua mão.

Não tinha tido o primeiro amor, primeiro beijo ou primeira transa.

Não viajou para Londres, Boqueirão ou visitou o quarteirão vizinho.

Seus dentes cariados de junkie food doíam, a raiz dos cabelos começava no meio da testa. Não tinha carro, moto ou bicicleta e não fazia idéia de como conduzir algum deles; nem uma dança ou uma conversa.

Sentiu o peso do mundo, da idade e da solidão. Tudo de uma só vez.

Não chorou, mas quis. Levantou-se, liberou um ódio incomum no aparelho de Tv, que se espatifou no chão de concreto.

Carlos, indignado com a realidade, abriu a porta de sua casa e nasceu.

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